É impressão minha ou ontem começou de vez a Era dos Wearables? É que, na abertura da sua conferência voltada para developers, o Google mostrou que quer mesmo consolidar um mercado de produtos tecnológicos vestíveis. Anunciou relógios de pulso, em parceria com Samsung, Motorola e LG, além de toda uma série de APIs para levar o Android para todos os cantos da vida contemporânea, dos carros até as salas de estar. Só faltou uma integração com o Orgasmatron Chinês.
Minha primeira reação ao evento foi fazer piada, claro. No Facebook, ironizei o Google Cebolão. Pedi que me avisassem quando a empresa lançasse um smart-codepiece.
E… espere.
Não sabe o que é isso? Não sinta-se culpado. Olhe a imagem a seguir.
Codepiece era uma tecnologia, um “wearable” usado por nobres na Europa dos séculos 15 e 16. Servia para acentuar o tamanho da genitália masculina. Para quê? Hmmm, mostrar a potência da conexão, talvez. Você encontrará diferentes explicações em livros de história.
Mas o que eu quero enfatizar é o seguinte: para o zeitgeist de certa época na Europa, o codepiece era algo não só respeitoso como desejável. Hoje parece absurdo ou coisa para nichos, como cosplays, sadomasoquistas ou vocalistas falecidos de bandas de metal excêntricas.
Pense no movimento steampunk. No primeiro Tron. No Dark Star. No Altered States. Na série Connections, de James Burke. São diferentes épocas, cada uma com sua concepção do papel da tecnologia. Cada uma produzindo seus próprios conceitos de desejo / necessidade imediata / saúde1.
No filme Histeria, por exemplo, assistimos ao nascimento dos vibradores. É uma lenta transição de uma cultura trocando de discursos e de tecnologias. O prazer sexual começa a ser associado à ideia de saúde mental. E surge um gadget para atender à essa nova “necessidade” cultural. Aos poucos, a sexualidade perde parte do seu ar “sagrado” e ganha outra moral. E, em especial, vira um assunto técnico, se transforma numa conveniência. Assim, ganha um novo valor de mercado: compre aqui seu aparelho de felicidade.
Os relógios do Google são uma nova fase desse mesmo processo. Aos poucos, vamos abrindo mão de valores como privacidade para buscar mais e mais conveniência. Afinal, todos sabemos que os smartphones — e agora os wearables — são máquinas de coleta de dados, tracking machines: sabem onde estamos, o que fazemos, com quem conversamos, para onde vamos.
Esse era o horror para alguns pensadores do começo do século 20 (como George Orwell, se você não ouviu isso). Mas, hoje, muitos de nós desejam esse controle. Querem mais. Tanto que, em alguns anos, a Era da Privacidade poderá parecer tão obsoleta quanto a Era Vitoriana. Teremos que fazer filmes para nos lembrar do nascimento do iPhone. O quão estranho parecerá um mundo no qual as empresas não nos vigiavam?
Por mais desajeitados que pareçam o Google Cebolão e os demais produtos lançados ontem (e também o Glass), não há como negar que eles simbolizam uma mudança radical nas expectativas, no imaginário da nossa sociedade. Estamos perdendo (ainda mais) o medo de ser controlados por corporações. Desde que, em troca, tenhamos microconveniência, nanoconveniência, oniconveniência.
O sonho de autonomia política / social, em voga no começo do século 20, vai perdendo de vez seu charme. Autonomia ganha outro significado: não precisar decidir, deixar de perder tempo, evitar riscos, minimizar o improviso, registrar digitalmente cada momento da vida. Se isso vai ser bom ou ruim, só Deus sabe.