Nos últimos anos, você já deve ter encontrado alguém preocupado em saber de onde vem a comida que come. É o movimento Know Your Food, ou algo assim. Parece coisa de hippies e fãs de new-age, mas não é1. E eu adoraria ver surgir algo assim para a internet: Know Your Web. Saiba de onde vem a informação que você consome.
Um bom ponto de partida seria o livro Tubes, de Andrew Blum. Trata-se de uma investigação a respeito de como funcionam as entranhas da web: pátios cheios de servidores, cabos submarinos, sistemas de refrigeração, backbones etc. Uma estrutura tão industrial, tão old school, que faria os velhos socialistas Marx e Engels sentirem-se em casa.
Também ajudaria ouvir a série The Clouds, do podcast Theory of Everything. Nela, o apresentador Benjamen Walker tenta desmistificar o conceito — esse sim, bastante new-age, quase religioso — de computação em nuvem. A vaga ideia de “nuvem” desvia nossa atenção da materialidade dos interesses em jogo na internet: dinheiro, poder.
Walker questiona quem são as empresas que, de repente, “se ofereceram” para guardar nossos documentos e gerenciar gratuitamente parte das nossas vidas on-line. Como funcionam? De onde saem os materiais usados na construção dos mega-servidores de internet? Quanto custa a conveniência? Para responder a essas perguntas, acaba arrumando confusão com a Amazon e até com a máfia chinesa. E não via internet. Walker foi visitar minas de neodímio na China, de onde sai cerca de 90% dos minérios usados em componentes de computadores e ímãs.
Esses são excelentes documentários, que abrem nossas cabeças para a responsabilidade no uso da informação (já que ela tem custos, prazos de validade e cria resíduos). Mas ainda sinto falta de um filme radicalmente voltado para developers, que mostre o(s) ambiente(s) físico(s) e o universo psicológicos nos quais os softwares são construídos. As noites mal-dormidas, a comida processada etc. Que mostre o estado mental e físico produzido por certos commits, se é que você me entende.
Talvez a série Silicon Valley dê para o gasto. Mas penso mais numa espécie de atualização do Code Rush, que contou os primórdios da Mozilla, na época em que a fundação tinha mais credibilidade. Ou algo como Indie Game. Teria que mostrar — com algum realismo — a materialidade do código: o que significa, fisicamente, criar um aplicativo.
Mas, afinal, por que tudo isso? Para entender a dimensão humana, social e ambiental da tecnologia. Ao longo dos anos, parece que estamos nos acostumando a descontextualizar e praticamente deificar certos aparelhos e certas situações cognitivas (por exemplo, as redes sociais). Quase paramos de nos perguntar: “para quê?”, “por quê?”, “isso é realmente necessário?” Essas perguntas soam até reacionárias, ranzinzas.
Esse, digamos, “entusiasmo” acaba servindo apenas para sustentar o consumismo acéfalo, a busca interminável por features, upgrades ou conteúdos que se tornam aceitáveis apenas porque alteramos a percepção do valor do nosso tempo, disponibilidade e atenção. O entretenimento virou um culto tão inquestionável que não entendemos os custos (sociais, ambientais e psicológicos) implicados no uso da tecnologia. O quão doente é uma sociedade que precisa ter entretenimento onipresente?
Porém, quando nos relacionamos via internet, ainda temos de lidar com coisas antiquadas como Estados, política e questões ambientais. Não conseguiremos ignorar esses fatores por muito tempo. Não será possível se isolar num mundo geek consumista por muito tempo. No mínimo porque, com as mudanças climáticas em voga no planeta, está ficando cada vez mais difícil garantir serviços de comunicação plenamente estáveis e confiáveis. Provavelmente, seremos forçados, em algum momento, a pisar no freio: toda época de excessos tende a trazer uma de austeridade.
Agora mesmo, escrevo em meio a uma queda de energia. A Copa já começou. O sol está perfeito lá fora. Mas os ventos são assustadores. Computadores e TVs digitais servem para nada. O entretenimento vira abstinência. O que me lembra da previsão do escritor Bruce Sterling, na SXSW 2014: em breve, seremos um bando de velhotes, entulhados em grandes cidades, com medo do céu. Não importa o quão avançados são os aparelhos nos meus bolsos. Em algum momento, serão praticamente inúteis. O que faremos nessa hora?